Resenha do livro: Capitães da Areia (analisando de novo)

3 anos atrás fiz a resenha de "Capitães da Areia" pela primeira vez e recentemente tive a oportunidade de reler, com uma idade diferente, mentalidade totalmente nova, mas ainda com aquela essência quase infantil que eu usei para fazer aquela primeira resenha.

SINOPSE

O livro conta a história de um grupo de crianças e adolescentes abandonados que vivem em situação de rua na Bahia, eles se alojam em um trapiche perto do mar, organizam assaltos e precisam abdicar de tudo o que uma infância deveria proporcionar. Sob liderança de Pedro Bala, cada um deles coleciona as próprias histórias de vida, o que é muito bem retratado, visto que é uma das obras mais aclamadas do modernismo.

MINHA OPINIÃO SOBRE

O livro começa com diversas correspondências em um jornal local, no qual são explanados diferentes pontos de vista sobre a situação dos capitães da areia, essas opiniões dos adultos variam desde as mais polêmicas até as mais coerentes. Achei essa estratégia de início do livro muito genial, a começar pelo título da obra, "Capitães da Areia" não foi só um nome escolhido ao acaso, Jorge Amado trouxe a ideia de que aquelas crianças totalmente deixadas de lado pela sociedade são capitães, ou seja, controlam a área que ninguém tem controle, já que a areia traz uma ideia de força da natureza, é uma coisa incontrolável, porém esses meninos comandam, o autor usou o título para unir ideias opostas e inconcebíveis aos olhos dos adultos, da sociedade e do Estado.

Com o decorrer do livro são apresentados os modos de vida de cada um dos principais personagens, o leitor é convidado a entrar na mentalidade, no cotidiano e na realidade vivida por Pedro Bala, Sem-pernas, João Grande, Professor, Pirulito e Dora, que encontram no mundo do crime uma forma de quebrar esse padrão de negligência ao qual eles estão submetidos. Na resenha de 2020 que fiz comentei que Capitães da Areia não era um livro sobre política, mas com toda certeza eu não tinha tido contato com o contexto de criação da obra, porque hoje em dia posso garantir que o livro tem sim um viés político muito forte, o que dá um peso literário ainda maior para a narrativa, valorizo demais os livros com contexto, livros que tiveram uma motivação pessoal dos autores para serem construídos.

Ao longo da obra, são colocadas cenas que fazem o leitor lembrar que apesar de terem que agir como adultos, os personagens são só crianças, a exemplo da cena do carrossel, na qual os integrantes do grupo ficam encantados com a oportunidade de experimentar um brinquedo. Outro fator importante foi a interferência de personagens adultos na obra, eles se dividiam em dois grupos antagônicos, um grupo odiava os Capitães da Areia e queria colocar cada um deles na prisão ou no reformatório, enquanto o outro grupo (uma minoria) buscava ajudar as crianças a terem o mínimo de condições emocionais e físicas, por exemplo a Dona Aninha que auxiliava com os serviços de curandeira, Dalva que amparava romanticamente um dos personagens, João de Adão que tratava o grupo com humanidade, o Padre que sempre tentava ajudar com o que podia e o Querido de Deus que levava religiosidade e arte para os meninos.

Jorge Amado se destaca também pela inserção da figura feminina de uma forma completamente diferente do que o contexto da época estava acostumado. Dora aparece para os meninos como uma catarse, uma forma de diminuir as dores emocionais deles, para alguns ela se projetava como mãe, para outros ela se projetava como amiga, confidente, uma figura de amparo que o grupo de crianças nunca teve. O final do livro foi muito característico do estilo de escrita do autor, ele tem o hábito de ser muito cru nas narrativas e foi genial em colocar a morte de um dos personagens como um giro, uma mudança de mentalidade do grupo inteiro, essa morte representou o fim de uma juventude que nunca existiu, foi o marco do fim biológico de uma infância que não ocorreu inteiramente, que foi apenas simbólica por culpa de uma sociedade que não se importa, que não age, que negligencia. "Capitães da Areia" serviu para abrir os olhos para as situações sociais do país, para lembrarmos que não precisamos ir longe para encontrar negligência, a situação continua e não se restringe só ao contexto da época em que o livro foi escrito.

Enfim, o livro é um clássico que nasceu para ser clássico, pertence à segunda geração modernista, que ficou marcada profundamente pelo viés social, porque fez o mundo perceber o que era silenciado. Jorge Amado foi tão genial na escrita, foi tão simples e tão profundo ao mesmo tempo que passaria anos tentando mostrar o significado de cada cena e não conseguiria. Recomendo muito.

P.s: assisti o filme e achei impecável, a trilha sonora foi encantadora.

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